sexta-feira, outubro 26

Queimando etapas do processo produtivo dos cultivos - Apressam-se os resultados, se gasta muita energia e aumenta o trabalho

Antônio Roberto Mendes Pereira

Por incrível que pareça estamos perdendo a capacidade de produzir alimentos completos biologicamente falando. A procura pelo fácil e que não dê trabalho nos acomoda e fascina muito agricultores. Produzir alimentos completos e nutritivos exige o cumprimento de várias etapas processuais que precisam acontecer para se ter os alimentos no ponto certo e com todas as qualidades nutricionais que nosso corpo tanto necessita. 


O homem vem sempre querendo queimar etapas desta preparação processual dos alimentos, vejamos este exemplo: Para se produzir um pé de milho ou qualquer outra cultura precisa-se seguir normalmente as seguintes etapas: 

Preparo da área – Momento em que o agricultor deve saber escolher onde será a área de plantio daquele ano agrícola. Nesta fase ele deve levar em conta alguns princípios Permaculturais entre eles o da localização relativa. Este princípio me remete a pensar onde esta área pode aumentar as conexões com os demais elementos e áreas da propriedade, diminuindo com isto o gasto com energia na manutenção futura do cultivo. A análise da distância onde vai ser realizado o plantio é de uma importância fantástica, pois quanto mais distante da casa (Zona 0) mais aumentamos o consumo de energia e diminuem-se as visitas a esta área. Neste momento necessita-se escolher quais as plantas que vão ser retiradas e quais irão permanecer na futura comunidade de plantas. 

Durante o preparo da área tem-se que levar em conta também o tipo e a qualidade do solo para a cultura ou as culturas escolhidas. Conhecer as preferências e aptidões das plantas a ser cultivadas é muito importante e necessário. Esta escolha também influência diretamente nos resultados da produção, pois uma cultura sendo cultivada em um tipo de solo que não é do agrado da cultura, com certeza teremos problemas com pragas e enfermidades, além do pouco desenvolvimento produtivo. 

Em uma tarefa que para muitos é tão simples percebem-se quanta informação o agricultor precisa ter e conhecer e aplicar. A experiência neste momento fala muito alto. Neste momento muitos agricultores queimam a primeira etapa: A de esperar a decomposição das plantas por ele retirada para a entrada da cultura. Utiliza o fogo como estratégia produtiva queimando toda a vegetação sem selecionar nada. Queimou a primeira etapa e mais adiante vamos perceber que aumentou seus problemas, além de ter perdido um grande percentual de certeza de uma boa colheita. 


Preparo do solo – É outra etapa distinta da anterior, a escolha deste momento pode significar resultados positivo ou negativo do cultivo. Entender quando o tempo está ideal para esta etapa, é preciso saber ler e entender a natureza. Pouca chuva ou excesso de chuva no preparo do solo pode comprometer o leito onde as sementes vão ser depositadas/semeadas/plantadas. 


Não se pode nesta etapa perder a estrutura física natural do solo, este deve permanecer grumoso, fofo, e muito menos perder fertilidade através de processos erosivos. Este deve permanecer escuro/preto sem perder estas qualidades e quantidades dos minerais. É preciso entender de clima e de suas mudanças, entender os sinais da natureza de quando irá chover ou não. Nesta etapa muitos sinais são transmitidos pela natureza, mas muitos novos agricultores queimam esta etapa levando em consideração apenas a data do mês, ou as previsões meteorológicas divulgadas pela mídia. Não entende que a planta não só precisa de água, mas de muitas outras exigências que precisam estar em equilíbrio, temperatura, umidade, quantidade de luz, vento. Entender os equilíbrios necessários entre estes elementos são esquecidos, trocando isto por aquilo: 

Troca-se a água da chuva pela água de irrigação 
Troca-se a fertilidade natural pela adubação mineral sintética 
Troca-se a mantença da bioestrutura do solo, pela aração 

A quantidade de chuva caída numa região muda toda a paisagem, forçando a quebra da monotonia da vegetação, é uma espécie de rotação de vegetais e de vegetação provocada pela própria natureza. Nos roçados o homem sempre quer repetir as mesmas culturas todos os anos e o pior na mesma área. Não entende a natureza e as mudanças necessárias para se manter sustentável e diversa, podendo alimentar de maneira diversa uma grande quantidade de seres vivos, que dela depende e quer depender, ao contrário do homem que cada vez mais nega esta necessidade, inventando e imitando de forma falsificada, e incompleta as coisas desta natureza. E na insistência para inventar e utilizar estas trocas termina por queimar mais uma vez as etapas naturais da qual a natureza utiliza para torna-se úmida, e fértil. 


A escolha dos consórcios – Escolha difícil de acertar quando não se conhece as aptidões e as relações de cada espécie que vai ser envolvida. A natureza sempre está montando COMUNIDADES DE PLANTAS E ANIMAIS, e nunca um espaço único para uma única espécie. Sempre ela busca diversificar o máximo, colocar mais vida diferente no mesmo espaço e que estas vidas se complementem. Saber criar estes espaços é ser um vegetapológico, da mesma forma que tem o antropológico estou criando esta palavra, para melhorar a compreensão do que desejo transmitir. “Vegetapológico” pode até ser estranho este nome, mas é aquele agricultor (a) que entende como as plantas agem, sentem e respondem aos estímulos da natureza e do homem. Saber como as plantas se relaciona uma com as outras e com os animais, insetos e microorganismos, é de uma importância fundamental. O interessante é que não se precisam ler muito livros de botânica ou biologia, basta observar a natureza. Por sinal é raro, e não conheço livros que estejam se reportando a estas relações entre as plantas. Conheço vários livros que falam de cada espécie de forma distinta, mas das relações dela com as demais plantas da sua comunidade muito pouco ou quase nada. 


E durante este processo o homem termina queimando outra etapa do processo natural de produção e manutenção da sustentabilidade, não liga para os consórcios, prefere ter uma única cultura em um grande espaço. Com esta atitude cria um ambiente inóspito para a existência e manutenção de qualquer outra forma de vida. 

Não cria uma comunidade de plantas inter-relacionadas, combinantes, não permite a mimetização das culturas, mas expõe a única espécie por ele plantada para que todos possam ver e vim se deliciar, se tem muito indivíduos juntos da mesma espécie, logo a natureza precisa e quer selecionar. Todas as vezes que se aumenta uma grande quantidade de indivíduos vegetais ou animais em um mesmo espaço, estamos convidando a natureza para que ela faça seu trabalho de seleção, e para isto ela utiliza várias estratégias e elementos, entre eles os insetos, o regime de chuvas, a temperatura entre outros. E o homem para evitar que isto aconteça utiliza todo aparato produtivo moderno e industrial como os agrotóxicos, os fertilizantes químicos, irrigação entre outros. 

Manejo da lavoura – Durante este processo de condução, da cultura até a colheita, várias são as etapas que são queimadas, evitadas e até substituídas. Os predadores naturais que nos ajudam a controlar as pragas são todos assassinados pelo uso dos agrotóxicos. Apenas 1% dos insetos que estão presentes na área cultivada é que podem vir causar danos que comprometam a produção final, mas todos os insetos que possivelmente surjam é visto como praga, e logo tem que ser aniquilado, morto. E com este assassinato perde-se uma série de serviços ambientais que são realizados por estes insetos. 

O mato que nasce entre as linhas dos plantios é taxado de erva daninha. É entendido como algo que não serve para nada, só está atrapalhando, é concorrente da cultura implantada, e mais uma etapa é aniquilada. Não se entende que o mato são grandes aliados dos agricultores, que são indicadores da situação real que se encontra o solo, isto é, do manejo que está se dando aquela área. Que estas plantas são capazes de indicar o estado que se encontra a bioestrutura do solo (se ele está fofo ou compactado), As carências minerais do solo, existindo algumas que nos indicam até como está o PH. Estas plantas também ajudam a esconder, a disfarçar, a mimetizar a planta que se está sendo cultivada, preservando estas de ataques de insetos, atraindo estes para ela (plantas trampas). 

Mas toda esta capacidade é substituída por entre linhas sem nada, desprovida de plantas. Só se permite a presença da lavoura que se está cultivando. A enxada que antes até era lenta e pesada, que dava trabalho para se manter a lavoura limpa. Manejo este que até permitia que as ervas pudessem fazer seu papel mesmo que por pouco tempo, agora esta enxada foi substituída pelos herbicidas (mata mato), que com algumas borrifadas todas são mortas. 


A colheita – Será que também neste momento se queima etapa? Respondo-te que sim. O melhor fruto é aquele que amadurece na árvore ou como se diz no ditado popular “No pé”, mas o ser humano no desespero de vender, de ter dinheiro semanalmente, termina por colher antes do tempo algumas culturas na intenção de aumentar as vendas, provocando o amadurecimento precoce, artificial. Colhe-se ainda verde (de vez, expressão popular) e apressa-se a maturação com a utilização de produtos químicos artificiais. O fruto ainda não estava pronto, incompleto, vai ser vendido como completo, mas na verdade está nutricionalmente incompleto, biologicamente faltando complementos minerais naturais, lhe falta cheiro, sabor, não tem a cor que precisaria ter. Enfim não alimenta na maneira que deveria alimentar. 


Na hora de comer – É um momento que deveria ser mágico, plantou, manejou, colheu, agora é hora de comer, mas outro processo de queima de etapa não permite o consumo natural de forma completa. Precisa cozinhar, e muitas das qualidades nutricionais vão ser perdidas durante este cozimento. Perdem-se substâncias que com certeza só estão presentes nos alimentos na forma in natura, mas pós-cozimento, tchau, foram embora, perdeu-se boa parte da qualidade. 


Durante a comercialização – Mas uma vez muitos produtores perdem a chance de vender seus produtos de forma direta ao consumidor. Entregam sua produção aos atravessadores, que terminam por ganhar a fama de vender produtos orgânicos, fazendo média e ficando reconhecido na mídia. Porém sem correr risco, faz suas compras escolhendo os produtos e ainda ganha todos os bônus da produção de orgânicos. Os lucros desta venda são maiores do que a lucratividade de quem produziu e correu todo o risco produtivo. 


Como podemos perceber várias são as etapas que deixam de ser executadas, a pressa e o imediatismo norteiam toda a lógica produtiva. Tem que se ganhar rápido e mais no menor período de tempo. Os alimentos são incompletos na sua essência biológica, foram produzidos para apenas parecer que são (faz de conta). Posso vender pelo mesmo preço, mesmo faltando peças que lhe dão a qualidade. No primeiro momento esta lógica produtiva reduz o tempo e o trabalho, mas a médio e longo prazo esta pressa vai proporcionar mais trabalho e mais gasto para se obter o mesmo resultado produtivo. E os consumidores terminam por adquirir alimentos incompletos com a aparência de completo. Não basta ser produzido sem insumos químicos, para ser considerado orgânico, precisam-se ter alimentos que possuam todas as qualidades biológicas de cada espécie respectiva. Não se deve complementar esta falta ou carência de nutrientes e minerais com vitaminas compradas em farmácias. Rastreie os sistemas de produção utilizados pelos produtores de quem você compra os produtos da roça. 

Converse, pergunte, visite, seja um consumidor consciente e participativo. Seja curioso, queira saber o quem tem dentro das hortaliças, frutos e frutas que você consome. Não compre gato por lebre, melhore a qualidade da alimentação da sua família. 

24 de outubro de 2012


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