sexta-feira, fevereiro 17

A técnificação da agricultura familiar - Apertando botão para fazer produzir ou para aumentar os gastos?

Antônio Roberto Mendes Pereira 

A cada dia mais, o apertar botão para dá comandos a uma determinada tarefa, vem tomando o espaço de vários trabalhadores quer seja na cidade ou no campo, já estamos vivendo esta transformação em muitos espaços. Na região nordeste do Brasil, por exemplo, na pecuária o cavalo vem sendo substituído em muitas propriedades pela motocicleta. Está se tornando coisa do passado para muitos vaqueiros lidar com o gado, com o gibão, cavalo e peitoral. O dar comida, agora é colocar pela manhã quando necessário, alguns litros de gasolina e pronto, água nem se fala, só para lavar a moto, para retirar a lama quando o período é inverno, e no verão a poeira, mas nada de água no cocho. Não precisa ter mais o compromisso, de todo dia inclusive finais de semana, ter que dedicar um tempo para o arraçoamento do cavalo. 


Na hora de capinar o mato, a enxada começa a ser substituída pela roçadeira motorizada costal manual. Puxou a corda, dar-se a partida e tudo fica mais leve, menos trabalhoso, e rápido, a única coisa que incomoda é o barulho do motor. 


Já existe recomendação da própria assistência técnica do governo para muitas culturas nos seus boletins técnicos, o uso de equipamentos motorizados, passando de uma forma indireta a ideia de uso destes equipamentos como uma forma de garantir os resultados produtivos positivos dos cultivos. 

Para desmatar, o trabalho vem tornando-se leve e rápido, facilitando toda a tarefa, criando uma mudança radical da paisagem. Em algumas situações o fogo já é substituído pelo motosserra, que consegue cortar tudo em pequenos pedaços, que podem ser direcionados para uma infinidade de atividades e serviços. É uma máquina fantástica que causa medo pela facilidade de desmatar grandes áreas sem muito esforço. A facilidade que ela causa estimula o desmatamento. Se o agricultor não tiver uma consciência ecológica o desmantelo está feito. Para esta máquina não existe árvore grossa e grande, tudo ela pode. 


Em relação à criação de animais, a tecnologia vai mais longe, por exemplo, substituiu-se o tirador de leite por ordenhadeiras elétricas, que conseguem esgotar todo leite das vacas em questão de poucos minutos. Durante o toque das mãos do retirante de leite, ele sentia se a vaca estava com algum problema (mamite), será que a máquina consegue ter esta sensibilidade? 

Toda tecnologia tem vantagens e desvantagens, mas normalmente a mídia só divulga as beneficias do seu uso. Antes só o vaqueiro era suficiente para ordenhar as vacas, mas agora com a tecnificação, necessita-se do vaqueiro e de várias ordenhadeiras. São gasta energias do vaqueiro e das ordenhadeiras para se fazer o mesmo serviço “tirar leite”. Antes a limpeza era das mãos do vaqueiro e do úbere da vaca unicamente, depois da tecnificação é necessário higienizar as mãos, o úbere e as ordenhadeiras aumentando o gasto com água, sabões e desinfetantes. Anteriormente a tecnificação mesmo sem energia elétrica executava a ordenha, agora necessita de energia elétrica para realizar todo o processo, sem a energia tudo para, não acontece. 

Será que todo este processo torna mais econômico a atividade ou simplesmente a ordenha torna-se mais rápida? Com quanto tempo depois de implantado consegue-se amortizar o investimento da compra deste equipamento? Que pretextos conseguem justificar o uso de tal tecnologia? São perguntas que talvez se tenha as respostas na ponta da língua, mas faz-se necessário ter o controle numérico desta atividade. Pois, tem uma quantidade que pode até justificar, mas também têm uma quantidade onde os gastos e as despesas de uso tornam-se maiores e antieconômicos. 


Até na pescaria a modernidade tecnológica chegou, hoje se vai para uma pescaria que não é pescaria, pois toda a sensibilidade e sutileza da pesca estão sendo substituída por mecanismos tecnológicos, até a isca é artificial, que graça tem uma pescaria com todo este aparato tecnológico? Toda sensibilidade é repassada para o anzol, linha, molinete e vários outros pequenos mecanismos tecnológicos, só depois para o pescador, anteriormente era você o anzol a linha e o peixe, a sensibilidade era sentida por você, até na hora da fisgada do peixe, e sua INsensibilidade era certeza de não pescar nada. Anteriormente a experiência do pescador era que fazia a diferença, ele sabia quais os locais que os peixes poderiam estar, tinha que conhecer os hábitos das espécies, as iscas preferidas, hoje já existe equipamentos com radares que indicam onde estão os cardumes, e tudo fica muito fácil. É claro que pescar no meio rural sempre foi encarado como uma atividade de lazer e de ter a carne para a refeição. Na criação comercial de peixe a artificialidade tecnológica é levada aos extremos, desde o sexo do peixe, até a ração e a forma de capturar são utilizados meios para apressar o crescimento. E a pressa mais uma vez é o alvo de todo o processo produtivo, que com certeza perde na qualidade do que se produz, afirmando o dito popular “a pressa é inimiga da perfeição”. 


Como vemos, a automação tecnológica vem abrangendo áreas ligadas a criações de animais e a algumas culturas, onde o trabalho humano é intenso e necessário, e que ocupa muito tempo, que se gasta muita energia física. 

Este texto pretende trazer idéias sobre o uso destas tecnologias no âmbito da agricultura familiar, da pequena propriedade rural, onde a discussão deve passar pelo conceito e entendimento de FERRAMENTA, sua escolha, uso e impactos. 

CONCEITOS E FERRAMENTAS BÁSICAS PARA OS SISTEMAS PERMACULTURAIS 

Para o autor Jorge Vivan em seu livro “Agricultura e Florestas” ferramentas são instrumentos de transformação do ambiente. E conceitos são ferramentas de transformação das idéias. Logo, ao usar uma ferramenta, estamos também tendo que adaptar nossos conceitos aos resultados que a ferramenta produz ao mesmo tempo em que refletimos sobre os resultados. 

Quando o uso das ferramentas produz resultados que afetam ou ameaçam nossa a existência? Precisamos estar bem alertas para este tipo de comportamento e resultado, antes do uso da tecnologia baseada no uso de uma infinidade de ferramentas. Hoje com a modernidade e a pós-modernidade acontecendo percebe-se que o conceito de produtividade na nossa civilização está ligado diretamente às FERRAMENTAS, e não ao produto obtido e a sua qualidade. Uma ferramenta aumenta a produtividade quando permite que se obtenha mais (maximizar) do recurso que nos interessa, estamos mais preocupados com a quantidade do que com a qualidade. 

A permacultura está sempre intencionada em aumentar a otimização dos processos e não unicamente em maximizar a produção, e para isto se faz necessário estar focado na qualidade biológica do que no que estar produzindo. Nos ecossistemas naturais a produtividade mede-se pela quantidade de substâncias orgânicas adquiridas pelas formas vivas numa unidade de tempo. Em uma propriedade deve-se buscar permanentemente aperfeiçoar todos os processos produtivos transformando a propriedade em um agroecossistema ao máximo igual ou que se aproxime ao de um ecossistema natural. 



O uso de tecnologia deve estar orientada para otimizar o agroecossistema. Para facilitar o entendimento, acompanhe o seguinte exemplo: “alimentar o solo” passa a ser: criar condições para todas as formas de vida, em quantidade e diversidade. A partir desta lógica, doses maciças de esterco bovino não ajudarão a regenerar a Mata Atlântica, da mesma forma que o reflorestamento de eucalipto não recuperará a fertilidade dos campos naturais. 

Tecnologias em muitos casos estão sendo utilizadas como forma de adiar a frustração produtiva, é uma maneira de protelar a diminuição da produção. Todas as tecnologias apressam os resultados produtivos indo quase sempre, de encontro à capacidade de suporte do agroecossistema para se manter produtivo de forma sustentável. Uma comparação para melhor entender esta lógica é a seguinte: Uma mulher que permanentemente depois de certa idade começa usar produtos para a pele, para evitar o enrugamento, e enquanto estiver utilizando este produto ela não vai perceber os resultados do tempo, mas se porventura deixar de utilizar por alguns dias, rapidamente percebe-se o estado real da pele, a um envelhecimento repentino, pois os produtos maquiavam a realidade real da pele. Da mesma forma acontece com o uso de determinadas tecnologias nas propriedades rurais. 



A VISÃO DA PERMACULTURA DA TECNIFICAÇÃO DOS AGROECOSSISTEMAS 

Para a permacultura o uso de tecnologias é bem vindo desde que ela esteja norteada por princípios ecológicos. Outro critério do uso ou não da tecnologia é a quantidade de energia APLICADA para sua operacionalização e a quantidade de energia RECUPERADA pós uso desta tecnologia. O que através do uso continuo desta tecnologia conseguimos produzir de energia para outros usos? Onde se tem mais eficiência energética? Esta deve ser o pensamento produtivo a ser aplicado permanentemente. 

Muitas das tecnologias utilizadas atualmente têm como base de movimento o uso de petróleo, e isto não deveria ser surpresa, que uma safra cultivada com uma vasta quantidade de energia oriunda do petróleo sofresse um declínio de qualidade e de rendimento econômico. O uso de energia provinda do petróleo na agricultura chegou a tal ponto que se poderia até falar em agricultura de comida sobre o campo de petróleo. Tal grande é o uso deste recurso. Utiliza-se o petróleo para tudo desde o transporte da semente e de seu plantio, sua adubação, o uso de inseticidas, a mecanização, tudo tem como base de movimento e produção o petróleo. Pode-se até dizer que “aceitou a revolução verde, tornou-se subcontratante da indústria do petróleo”. Quando a base energética não é o petróleo a energia elétrica é a bola da vez. Aumentando os custos de produção e consequentemente os preços de venda aos consumidores, impedindo que este produto chegue às mesas dos consumidores de baixa renda. 

É um erro acreditar que o progresso na tecnologia agrícola irá baixar os custos de produção e tornar os alimentos menos caros como afirma Manosubu Fukuoka em seu livro “Agricultura Natural”. Os custos de produção só se baixa voltando a ser e a fazer uma agricultura mais natural. A maioria das técnicas agrícolas de alto rendimento em uso atualmente não aumenta os lucros líquidos dos produtores. E a culpa está no pensamento e na prática considerados vitais para a produção crescente e na aplicação pesada de fertilizantes e agrotóxicos e a mecanização para preparar e aplicar todos estes insumos. Vale apena alertar que os defensivos ou agrotóxicos só são eficazes em solos desgastados e devastados através de uma agricultura de roçados queimados. A tecnologia deveria estar sendo pensada para manter o ambiente produtivo de forma equilibrada, ecológica e não com intenções de apressar e aumentar os rendimentos, desgastando toda a capacidade de suporte do agroecossistema. 

É bom alertar também que tecnificação da agricultura não é somente o uso de máquinas, mas também o uso de vários insumos como: agrotóxicos, adubos químicos, espalhante adesivo, sementes hibridas, medicamentos químicos, entre outros. Quando estou me referindo a tecnificação estou incluindo também todos estes aparatos produtivos. Da maneira como está usando os recursos e as tecnologias, a agricultura está se tornando uma atividade desnecessária, sem relação quase que nenhuma com a NATUREZA. 


Fukuoka afirma “Que houve uma época em que as pessoas acreditavam que usando cavalo e bois o trabalho dos homens se tornaria mais leve. Mas, contrariando as expectativas, nossa dependência desses grandes animais tem sido nossa desvantagem. Os agricultores estariam em melhor situação se usassem porcos e cabras para arar ou revolver o solo. Na verdade, o que eles deveriam ter feito era deixar o solo para ser trabalhado por pequenos animais – galinhas, coelhos, topeiras, até mesmo as minhocas e os microorganismos. Animais de grande porte parecem ser úteis só quando alguém tem pressa do serviço pronto. tendemos esquecer que mais de 8.000 m² de pasto são necessários para alimentar apenas um cavalo ou boi. Este tanto de terra poderia alimentar 50 ou 100 pessoas se alguém fizesse uso completo dos poderes da natureza.” 

DIRETRIZES QUE DEVEM NORTEAR A CRIAÇÃO E O USO DAS TECNOLOGIAS 

Precisamos entender que tem dois tipos de tecnologias, as de processo e as de produto. As tecnologias de processo são aquelas onde se transforma os ambientes sem ter necessariamente de comprar equipamentos, como exemplo o plantio em nível, o uso da adubação verde, o abandono do uso do fogo, como técnica de limpeza, o uso da adubação verde entre outras. Nos sistemas Permaculturais deve-se dar preferência pelo uso das tecnologias de processo, e evitar o uso das tecnologias de produtos, que são aquelas que a transformação do ambiente e a busca pelos resultados produtivos estão direcionadas para o uso de insumos e maquinários, como exemplo o uso de adubos químicos, agrotóxicos, mecanização, sistemas de irrigação, entre outros. 

1. Dar preferência por tecnologias de processo onde o conhecer, o observar, e o imitar a natureza são os norteadores para uma prática agropecuária menos impactante ao meio ambiente. Com o uso deste tipo de tecnologia, diminui o uso indiscriminado de insumos externos ao agroecossistema. 


2. Buscar ao máximo a eficiência energética do que está fazendo e usando. A preocupação com a energia aplicada e a energia recuperada deve ser um dos norte na escolha e no uso de equipamentos. 

3. Evitar o automático, não se pode esquecer que o automático é quase o sem comando, é repetitivo e a natureza é dinâmica e nunca estática. A realidade não se repete, pode até se parecer, mas jamais ela é igual. Os elementos vivos e a paisagem mudam permanentemente. Evite fazer do mesmo jeito todos os dias, sejam criativos e acompanhem os processos naturais. 

A criação e uso de uma máquina que foi preparada para uma determinada função ou serviço, na intenção da sua criação já traz implicitamente a repetição o fazer igual. Máquinas que só servem para o manejo de determinada cultura e não se adéqua a outra, em tese já propõe o plantio permanente da mesma cultura todos os anos (monocultura). 


A tecnologia deve se adequar ao ambiente e não o ambiente se adequar a tecnologia, como em muitos casos acontece. A tentativa de mudar todo ambiente para a implantação de uma tecnologia vai de encontro à lógica da natureza. Os impactos são grandes quando se tenta adequar o ambiente a tecnologia. Muitas tecnologias têm a capacidade muito rápida de modificar a paisagem, aumentando os impactos ambientais, principalmente se este meio está sendo adequado para que a tecnologia possa fazer parte forçosamente daquele ambiente. 

4. A conexão é à base da sustentabilidade, logo precisamos criar tecnologias que aumentem as conexões, as combinações, as interdependências. A tecnologia deve ser usada primeiramente para unir, ligar, aumentar as relações entre os elementos. E não para criar independência dos demais elementos. 


Exemplo de Tecnologias criadas para unir, conectar. 


5. As tecnologias devem facilitar o fazer e não substituir todos que estão fazendo, precisamos evitar a ociosidade nas propriedades rurais. Mas, percebe-se que sempre a criação e uso das tecnologias estão na sua maioria direcionadas, para gerar ociosidade, e consequetemente desemprego. E como diz o Biólogo Sebastião Alves “O desenvolvimento tecnológico foi tanto que talvez para cada coisa existente na natureza, é bem provável que exista uma tecnologia para lidar com esta mesma coisa. Caso ainda essa tecnologia não exista, existe tecnologia para criá-la”. 

6. Fazer com o que se tem no local é a lógica que deve direcionar a criação de tecnologias apropriadas. Quanto mais localizada for a utilidade da tecnologia mais benefícios ela pode realizar. Na Permacultura a criação de tecnologias massivas, isto é que serve para todo lugar, e para todas as situações deve ser descartada. 

Espero que este texto possa ter esclarecido o que penso sobre as tecnologias, não sou contra a sua criação, mas o que me preocupa é seu uso, manuseio e utilidade. Que elas possam cada vez mais ajudar as pessoas na tarefa de viver bem, sem prejudicar de forma tão contundente o meio ambiente. Precisamos de tecnologia para muita coisa logo, preciso estar atento para as diretrizes que frisei, antes de adquirir e antes também de usá-las. Defenda, cuide, conecte-se aos sistemas naturais com menos impacto possível. 

Referências Bibliográficas 

Vivan, Jorge Luiz. Agricultura e Florestas : princípios de uma interação vital – Guaíba, 1998.
 
Fukuoka, Manosubu. Agricultura Natural: teoria e prática da filosofia verde; tradução de Hiroshi Seó e Ivna Wanderley Maia – São Paulo: Nobel. 1995 

16 de fevereiro de 2012

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