sexta-feira, outubro 7

Educando os filhos para uma agricultura sustentável - Educação, o poder de mudar a realidade

Antônio Roberto Mendes Pereira 

Os cientistas avisam que nosso modo de vida é insustentável. Estamos esgotando os recursos, poluindo, envenenando, água, solo e ar. Uma mudança é urgente e necessária. Um tipo de mudança que envolva e prepare os jovens para ter posturas menos impactantes diante da natureza. A ecoalfabetização deve ser o eixo norteador ou até um tema transversal em qualquer processo educacional, em todos os espaços de intervenção humana a ecoalfabetização deve fazer parte. 

A Ecoalfabetização[1] (CAPRA, 2006) é o conjunto de conceitos inerentes aos processos comunitários calcados em princípios de sustentabilidade. O conhecimento de que toda a comunidade tem que estar engajada para atingir sustentabilidade é o resultado de um processo natural de sobrevivência e deve ser aprendido deste cedo. 

Como educar nossos filhos para uma nova concepção de agricultura que utilize a ecoalfabetização como base? Quais as disciplinas que se deve utilizar para formar um jovem para o uso de valores Ambientais, Ecológicos e ou Permaculturais? 

Podemos ensinar em casa? Ou unicamente é função da escola? Será que a escola consegue trabalhar valores ou fica unicamente nos conhecimentos disciplinares? Os conhecimentos sobre como produzir alimentos de forma saudável quem vai ensinar aos nossos filhos? Como cuidar do planeta? A escola está conseguindo ensinar? A escola está formando ou apenas informando? 


Estas e muitas outras perguntas sempre vêm me fazendo, na tentativa de encontrar formas ou experiências onde o jovem possa se identificar, protagonizando todas estas questões. Formar jovens preocupados com as questões planetárias a partir do local, da sua propriedade é o desafio que esta sendo posto. 

As questões ambientais cada vez estão se tornando preocupantes e vem tomando dimensões cada vez mais alarmantes. Como aproveitar a natureza e a natureza da propriedade para que ela se torne verdadeiramente uma sala de aula onde toda a família possa aprender a partir do ver, do fazer, do comprovar, do errar, do não alcançar a produção esperada? Que aprendizagens devem e podem acontecer? 

Este texto pretende apresentar idéias onde a intenção é formar jovens filhos de agricultores para uma nova forma de ver e fazer agricultura. Uma cultura produtiva que se orienta por valores ecológicos, ambientais. Onde se busca a satisfação atual sem impedir que as demais gerações tenham este mesmo direito. Tirar com parcimônia, com cautela, com critérios. Como sugestão, proponho repensar as trocas das disciplinas, e em casa ao invés de se ensinar a matemática, a biologia, a física irá ensinar novas disciplinas/valores com as seguintes intenções pedagógicas: 

1. EDUCAR PARA A PARTICIPAÇÃO - A natureza sempre trabalha na intenção de envolver mais elementos, aumentar as combinações, aumentar a participação de todos que compõe o ecossistema. Este nível de participação pode acontecer em ligações diretas, junto, perto, ligado pele a pele, outras acontecem de forma indireta, não necessitando estar junto. Mas, a participação com valores cooperativos reforçam, legitimam laços de parcerias, de aceitação, de alinhamento. Sente-se que a minha força é complementada na do outro. O que não sei é reforçado pelo saber do outro. Na participação desconcentram-se as tomadas de decisões em um único para a decisão conjunta, coletiva, responsabilidade de todos pelo sucesso ou insucesso. Precisamos desaprender valores culturais herdados onde a individualidade ainda direciona as ações de exploração e do fazer. Posso aprender sozinho, mas é muito mais gostoso aprender em grupo, no processo do debate as aprendizagens se multiplicam, posso até fazer sozinho, mas é mais leve fazer em grupo, posso até errar sozinho, mas é muito menos doloroso saber que não errei só, foi decisão grupal. 


Precisamos utilizar a participação como uma regra, como norma e porque não dizer como disciplina. 

Nossos filhos devem ser educados para servir e não unicamente para ser servidos. A participação deve ser praticada desde cedo em tudo que se pensa e que se faz. Não espere ser chamado ofereça-se. Ajudar o outro é tarefa gratificante e que produz grandes valores morais, de solidariedade, de companheirismo. Precisamos ensinar o saber cuidar como diz o grande pensador Leonardo Boff. 

Crie estratégias de provocar participação, dê a entender que precisa de ajuda, e se não for percebido, peça ajuda, ajuda se dá a quem pede e a quem quer. 




2. EDUCAR PARA A AUTOCONTENTAÇÃO – A propaganda sempre é criada para estimular os desejos, e tenta o tempo inteiro  nos sentir inferiores por não ter determinadas necessidades atendidas. O consumismo nos leva a ter várias coisas iguais ou diferentes, porém com a mesma função. E a não contentação se torna permanente, nunca ficamos satisfeito com o que temos, sempre quero outro e outro e mais outro. A pergunta base é como me autocontentar e ensinar aos meus filhos esta disciplina/valor se a mídia permanentemente destrói esta lógica, vendendo a felicidade como se fosse um produto que se compra ou que se adquire quando se efetiva uma compra. 

Muitas das coisas que torna as pessoas mais contentes, felizes e melhores não são bens que podem ser comprados e vendidos: são valores, atitudes, sentimentos e emoções que valem muito, mas não têm preço. As vezes determinadas conquistas nos traz momentos de alegria, de prazer de poder, mas com certeza isto não é felicidade. 

3. EDUCAR PARA A FRUGALIDADE – Ser frugal é ser simples em nossos costumes, em nossa forma de viver. É não correr demasiado em busca do ter, pois reconhece a ilusão desta atitude. É evitar desperdício, é preocupar-se com a ecologia, é dispensar hábitos caros, é suprimir a necessidade de auto-gratificações constantes. Ser frugal é se contentar com pouco, é não exigir tanto da natureza para ter nossas necessidades atendidas. 

É repensar o ter que comprar um novo se o velho ainda esta funcionando, é saber cuidar do velho para não ter que comprar outro só porque é mais moderno. É dar a outro para que ele possa reutilizar, é passar de mão em mão sem virar lixo. É aproveitar ao máximo o valor e função dos objetos, é dar mais função ao objeto, evitando que o mesmo se transforme em objeto sem utilidade. 

Pergunte sempre “Preciso mesmo disso?”. A frugalidade não se furta de dormir em uma cama, mas não exige que a mesma seja emoldurada com diamantes e suas colchas não precisam ter fios de ouro. A frugalidade senta-se à mesa e come o pão e toma vinho, mas não necessita que o vinho seja francês da safra 1968 (Rafael Reinehr). 

Acredito que esta disciplina/valor é de fundamental importância para que as propriedades possam ser mais sustentáveis e equilibradas entre o produzir, possuir e descartar. Os nossos filhos precisam aprender praticando intensamente esta disciplina/valor. A sobra é conseguida também diminuindo o consumo, e quanto menos consumo menos exploração da natureza, e isto significa mais preservação do ambiente. 

Enfim ser frugal é dar valor ao que você conseguiu, é ser feliz com o que se tem e com o que se é, buscando sempre o essencial e a durabilidade do já alcançado. 

Não é o não poder trocar as enxadas por um trator, mas saber o que esta compra pode gerar de gastos energéticos e de impactos ambientais. O custo benefício vai valer apena. Será que esta máquina vai ter serviço para executar o ano inteiro ou só vai ser utilizado em alguma estação do ano? 


4. EDUCAR PARA A AUTOLIMITAÇÃO – Conhecer e reconhecer os limites do ambiente, das pessoas, e das coisas é de fundamental importância para um bom viver. Para viver harmoniosamente é preciso respeitar limites. E isto é coisa que se aprende, logo é necessário que alguém ensine. Tudo tem limites para se possuir permanentemente. É uma condição para se alcançar o estado sustentável das coisas. 

Não podemos esquecer que a natureza tem seus limites para atender nossas necessidades, logo não tire mais do que ela pode te oferecer. Os nossos corpos também têm seus limites, qualquer exagero executado, passamos dos limites, logo comer demais, beber demais, trabalhar demais, dormir demais, todos estes comportamentos exagerados nos levarão ao passar dos limites, logo se criou uma situação de insustentabilidade. 
Como diz o dito popular “nem tanto, nem tão pouco” esta deve ser a lógica para se alcançar a Autolimitação. 

Tudo tem limites, descubra os seus, dos outros e do ambiente
Ensine a seus filhos a avaliar constantemente os princípios que guiam suas escolhas e seus hábitos de consumo. 

5. EDUCAR PARA O MINIMALISMO – A postura minimalista durante a vida como consumindo o mínimo de alimentos, de ar, controlando o próprio corpo diante das necessidades deve ser um exercício diário. Esta postura constitui um ideal a ser atingido. É uma postura de ecologia interior, de ecologia profunda, onde preciso aprender a ter autocontrole, domínio das compulsões, e a ser tolerante. 

Ter reservas naturais e consumir pouco é uma estratégia para quem quer ser sustentável. Em pequena propriedade o minimalismo deve ser praticado ao máximo, ampliar o uso das coisas e da natureza é a postura educacional que se quer com esta disciplina/valor. Aprenda e ensine a minimizar o uso: 

· Da terra 
· Do adubo 
· Da água 
· Do espaço 
· De trabalho 
· De energia aplicada 


6. EDUCAR PARA RESOLVER CONFLITOS – É mais fácil aprender através de fatos lógicos, mas não saber lidar com as falhas, com os fracassos e com conflitos é não saber aprender para o existir. 

A vida é cheia de contradições e conflitos, o tempo inteiro estamos tomando decisões, optando por A ou B e em algumas vezes por C. lidar com situação conflito exige aprendizagens intangíveis. Entender e mexer com emoção não é fácil, nortear decisões transcende as disciplinas tradicionais. Os valores devem ser as ferramentas para as escolhas para as opções na vida. 


O conflito nos ajuda a produzir conhecimentos e sabedoria. Problematizar algumas situações nos torna mais ávidos para entender o que se está enfrentando. Uma visão sem ação é sonho, e uma ação sem visão não tem sentido, somente uma ação com visão tem o poder de mudar a realidade. 

A verdade é que muitas pessoas veem o mundo de forma diferente, por razões culturais, educacionais, costumes e outras tantas que interferem numa uniformidade de pensamento. Há os que manifestam posição ou entendimento; outros ficam calados, contudo com um menor envolvimento e compromisso. Ver o erro como uma oportunidade de aprendizagem, é um grande momento de crescimento pedagógico.Faça seu filho também ver que o erro traz grandes benefícios, se fica mais experiente.

7. EDUCAR PARA O CONTEMPLAR – o belo é aquilo que é despojado, limpo, simples, e isso reflete na decoração, no planejamento do espaço no jogo de cheios e vazios. O belo natural não precisa da interferência humana. Aprender a contemplar os espaços, a vida individual e coletiva para menos intervenção causa boas repercussões ambientais. 

Vê e admirar a beleza de um sapo é ir além do conceito de beleza que se apresenta e se ensina. A beleza não só está na plástica, na geografia, ela transcende essa lógica. 

Olhar apreciando e buscando entender as lógicas, as conexões, as mensagens que aquele elemento pode nos trazer é contemplar a mistura e a essência. Uma paisagem é bela não pelo único, mas pelo conjunto que se vê. Logo, precisamos educar nossos filhos para ver estética no elemento e no conjunto que ele está ligado. Olhar a caatinga e a mata atlântica e vê a beleza destes biomas na sua plenitude é olhar com olhos de vê. Não vê o seco da caatinga com desdém, mas vê a riqueza deste espaço a partir desta secura, da sua resistência, da sua biodiversidade adaptada, dos animais moldados para este espaço, da hibernação esperando o momento exato para voltar a desabrochar, isto tudo é beleza que precisa ser vista e entendida. 


8. EDUCAR PARA A ECOLOGIZAÇÃO – Em principio tudo pode ser ecologizado, quer seja no sentido de que podemos adotar formas menos agressivas no pensar, no comunicar, no agir, no vestir, no trabalhar. Existe uma infinidade de ecologias que podem e devem ser trabalhadas para o aumento de conhecimentos: 

· Ecologia política 
· Ecologia humana 
· Ecologia cultural 
· Ecologia social 
· Ecologia rural 
· Ecologia urbana 
· Ecologia planetária 
· Ecologia interior 
· Ecologia profunda 
· Ecologia industrial 
  Entre outras. 

Cada uma delas compõe um mosaico de visões, perspectivas e abre possibilidades de compreensão do mundo e do nosso espaço local e particular. Perceber esta realidade ambiental e ir além do pensamento tradicional ou de senso comum. Precisamos educar nossos filhos com filtros e lentes aproximando-os de uma visão mais holística da ecologia, na qual a percepção do todo é enriquecida pela visão mais detalhada de cada uma das partes. Ecologizar é um verbo que pretende aguçar estes conhecimentos em todos os âmbitos. A necessidade de ecologizar os pensamentos, diante do fato que a nossa cultura estar baseada, em uma cultura com valores e visões de mundo dissociadas das leis da natureza, o que resulta na crescente degradação ambiental, acumulação de resíduos, e perda da sustentabilidade em todos os espaços de presença e ação humana. 

9. EDUCAR PARA O LAR – O que seria uma educação para o lar? A manutenção de uma casa exige a execução de muitas tarefas cotidianas, tarefas estas que precisam ser executadas por todos os membros da família. Qualquer desequilíbrio neste ambiente causa muito trabalho para uns e pouco para outros. Podendo gerar até alguns conflitos entre seus membros. 

Uma das primeiras necessidades educacionais neste espaço é a distribuição de trabalho e responsabilidade envolvendo todos os jovens nesta aprendizagem prática. Seu espaço, e os espaços coletivos precisam fazer parte de um todo que é a casa, que deve ser encarada como um ser vivo, onde demanda muitas manutenções e entradas de alguns insumos e energia. Manter uma casa ecologicamente correta vai exigir mudanças de alguns costumes, hábitos que foram herdados por uma cultura que vai de encontro as normas e regras naturais. Entre estes hábitos culturais herdados, está a produção de lixo, como educar nossos filhos para a não produção? Ou pelo menos a diminuição de produção? O que fazer com o pouco lixo produzido? Como reaproveitá-lo? Como incluí-lo no ciclo do sistema, para que ele não venha causar poluição? O que fazer para diminuir os gastos de energia, principalmente as pagas? Como projetar espaços para que a energia do sol possa ser utilizada com mais intensidade? Que materiais de limpeza para a casa vão ser utilizados? Vai comprar estes insumos que na sua maioria são produtos químicos ou vai se produzir de forma ecológica? Como elaborar um cardápio barato e que respeite a estações climáticas, aproveitando o que a natureza pode nos oferecer nos ciclos produtivos? Quais os hábitos alimentares corretos que vamos ensinar aos nossos filhos? Não dá para cobrar se você mesmo não tem estes hábitos pretendidos. O ditado popular que diz “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”, neste processo educacional não vale, não se encaixa, não se enquadra. E não podemos esquecer que boa parte do que se produz na propriedade deve ser para atender a demanda de uma dieta equilibrada da família. 

Todas estas questões devem fazer parte do processo educacional para o lar. Nossos filhos precisam ser educados e em muitos casos treinados e até avaliados de forma continua. O sair da rota é muito fácil, os espaços de aprendizagens são muitos fora de casa, e todos tem um poder de influência enorme. 

Estas seriam as intenções pedagógicas e didaticamente teríamos a natureza da propriedade como espaço de aprendizagem, de prática e de exemplos. Sabemos que a natureza não trabalha valores, mas podemos através das nossas observações e comparações entender sua ação desprendida de ganância, do ter só para mim, do não dividir, do fazer junto, onde o sucesso de um é o sucesso de todos do sistema. 

07 de outubro de 2011 

[1] Ecoalfabetização – É o conjunto de conceitos inerentes a processos comunitários calcados em princípios de sustentabilidade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado por comentar! Convide seus amigos para participarem também.
-------------------------------------------------------------------------------------------------
Thanks for commenting! Invite your friends to join too.

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...